sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Revista Outros Tempos



O homem que escreveu a história de um defunto-autor
No ano de 1881, Machado de Assis escreveu uma das obras mais importantes da Literatura Brasileira e hoje irá falar mais sobre esta obra que perdura por tantos anos em nossas bibliotecas.


Outros Tempos – Por que um defunto autor numa obra realista?
Machado de Assis - Porque isso faz com que a historia torne-se mais interessante, tendo em vista que normalmente os leitores costumam duvidar do que lê, criei então um defunto autor em vez de um autor defunto, para que este pudesse contar o que quisesse sem que fosse julgado.
A história torna-se mais interessante em que sentido?
No que diz respeito à inovação que foi criar uma obra em que um homem aparentemente normal morre e conta a historia de sua vida, se fosse alguém que não morreu e que quisesse contar a história de um morto não seria tão cativante quanto um morto contado sua própria historia, de um ponto de vista íntimo.
Explique o delírio de Brás Cubas.
Se você tiver lido bem meu livro, perceberá que o delírio de Cubas começa após a chegada de Virgília, então o delírio dele é tão somente que ele deseja viver mais para poder estar ao lado dela, tanto que ele pede a Natureza um pouco mais de tempo, porém ela nega, dizendo que ele pensa apenas em si próprio.
A morte de Cubas foi semelhante à de seu pai. Isso foi de por um motivo em especial?
Minha intenção foi justamente esta, queria que o fim de ambos se assemelhasse para reforçar que esse era o legado da família Cubas e denotar um tom mais pessimista em torno da personagem prncipal.
Quais elementos da estética realista mais se destacam nas Memórias?
Eu busquei inserir o pessimismo freqüente por parte de Brás Cubas e a crítica ferrenha à sociedade burguesa da época que era extremamente gananciosa e fútil, detendo sua existência a apenas casar seus filhos com os mais ricos e poderosos, obter status sem se importar como isso seria, enfim, uma sociedade inescrupulosa que visava apenas o bem estar próprio sem importar-se com o próximo. E não posso deixar de citar também há a típica ironia do defunto-autor, presente em toda a obra.
Mas você não acha que Brás Cubas fazia parte dessa sociedade gananciosa?
Estaria mentindo para ti, se dissesse que não. Porém foi justamente por ele ser da elite que tinha subsídio para criticá-la, já que Cubas podia assim, contar o que vivia e sentia, na pele.
Que tipo de sociedade é retratado no romance e como se espera que o leitor se posicione diante dela?
Busquei retratar em minha obra como era sociedade carioca do século XIX, seus costumes e os bastidores desta para que o leitor pudesse ter acesso às histórias e vida de várias pessoas desta e saber que apesar destes quererem demonstrar perfeição, eram pessoas mais do que normais e suscetíveis a cometer erros. Espera-se assim, que leitor tire suas próprias conclusões de certo e errado e que a partir das memórias, possa refletir bem acerca da sociedade carioca da época.
Sabemos que esta obra faz parte do realismo e possui como característica mostrar a realidade sendo assim no que o senhor se inspirou para escrever sobre a sociedade?
Eu inspirei-me em descrever as pessoas no geral, seus costumes, ou deveria dizer maus costumes, o preconceito em relação ao que não aparenta ser perfeito, como no caso da menina Eugênia, onde Brás citava: “Porque bonita se coxa? Porque coxa se bonita?”.
Brás Cubas pode ser entendido como uma metonímia de alguma classe ou segmento social?
Certamente que sim, pois através dele eu busquei retratar a sociedade burguesa, sendo assim nada melhor do que utilizar-se de uma personagem da elite que desde pequeno foi criado com mordomias e regalias cedidas por seu pai e que em todo livro abusa desses mesmos caprichos e faz com que o autor leia para saber se todos estes serão ou não realizados.
Podemos pensar que há uma ligação entre a vida de Cubas e a teoria do Humanitismo de Quincas Borba?
Sim, tem muito a ver, pois segundo a teoria de Quincas só os fortes viveriam, como quando ele diz: “Ao vencedor, as batatas”. Também pelo fato de que a teoria do Humanitismo justifica a sua vida vazia e sem nexo de Cubas.
A trajetória de Brás Cubas revela um pessimismo do autor diante da vida? Explique.
Ele era dotado de extremo pessimismo, pois sua história não transcorreu da forma eu ele gostaria, já que ele perdeu, por duas vezes, as duas mulheres que “amou”, também por não conseguir realizar seus desejos mais ínfimos, Cubas tinha grande pessimismo com relação à essência do homem e seu relacionamento com o mundo, isso é demonstrado em todo o livro. Um de seus desejos não realizados foi o de ter um filho que chamaria de seu e que seria sua descendência, apesar dele pensar logo após, que este teria um fim não tão feliz quanto o seu, como esta escrito no final do livro: “Não tive filhos não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.
E se o final do livro fosse diferente, um tanto romântico, digamos assim?
Ora, então não seria a mesma obra, decerto que não teria o mesmo impacto que o final atual. É de se lembrar que se tivesse em seu final um toque romântico não o seria parte do Romantismo? Estou certo que, defeitos não fazem mal, quando há vontade e poder de corrigi-los, neste caso eu tenho o poder, contudo falta-me a vontade para tal coisa.
Bom, isso é verdade, porem se por algum motivo fosse criar um novo final como este seria?
Minha cara, nem se eu quisesse, poderia fazer tal coisa, e se o fizesse estaria traindo a Cubas, cujo o final já foi escrito e é até hoje lido por milhares de pessoas!
O que representa a teoria do Humanitismo e por que ela foi criada por um louco?
A teoria do Humanitismo representa uma doutrina de valorização da vida que é ma verdade uma caracterização do Determinismo e do Darwinismo, que eram teorias científicas e filosóficas em voga na época e que atribuem sentido de evolução mesmo às fatalidades da vida. Preferi que o criador fosse um louco como parte de minha intensa ironia, pois como pode um louco que morre na pobreza, ser o criador de uma doutrina de valorização à vida?
Porque, não só nesta obra como em outras também, o senhor abusa da narração em primeira pessoa e da metalinguagem.
Com a narração em primeira pessoa eu Pposso abusar do humor e da irreverência e já o uso da metalinguagem é que posso conversar com o leitor e deixara obra mais subjetiva, com uma visão parcial do narrador, assim o leitor pode ou não aceitar que está escrito, e nunca poderá saber se isto é o não verídico.
O que você achou da adaptação das Memórias para o cinema?
Quanto às duas primeiras adaptações eu só tenho a lamentar, porém a ultima adaptação, do ano de 2001, com o ator Reginaldo Faria como Brás Cubas após os 60 anos e Petrônio Gontijo em sua juventude, foi mais fiel a minha obra, claro que não foi perfeita, todavia obteve mais êxito que as versões antecessoras a ela. Isso se deve principalmente porque os diálogos dos livros foi mantida e quem o leu pode recordar-se de cada episodio por conta disso.
Você acha que faltou algo em especial nesta adaptação?
Como já proferi anteriormente, não haveria a possibilidade de uma adaptação ser perfeita, e sempre faltaria algo, como faltou, por exemplo, o filho de Virgília, que Brás Cubas tanto odiava, sua irmã Sabina entre outras personagens e cenas, porém em nada mudou o sentido da história e o que mais gostei é que teve uma dose de humor, que muitas vezes passa desapercebido
pelo leitor desatento.Φ